CRÍTICAS A NEO TOKYO #103 POR KATRINNAE AESGARIUS

12/12/2014 19:51

CRÍTICAS A NEOTOKYO #103

por Katrinnae Aesgarius

 

        Há 20 anos a Manchete trazia aos brasileiros a série animada Saint Seiya, conhecida aqui como «Os Cavaleiros de Zodíaco» estreando em 1º de Setembro de 1994. A série começou tímida e ganhou uma força imensa, pendurando até os dias atuais. Para termos uma ideia da força na série no Brasil, foram promovidos eventos comemorativos com artistas que dublaram as suas aberturas desde o Clássico ao The Lost Canvas e Ômega, as séries atualmente animadas.

 

        Em seus 28 anos, Cavaleiros do Zodíaco se tornou um multiuniverso, com inúmeras sagas e interpretações pelas mãos de outros autores além do seu original, Masami Kurumada, idealizador desse universo complexo e fantástico que permitiu inúmeras outras interpretações, encantando a antiga e as novas gerações de fãs.

 

        Achando que as comemorações encerraram com «Legend Of Sanctuary», a revista NeoTokyo #103 trouxe uma edição especial para encerrar esse ano de aniversário sobre a série. Lily Carrol é quem redige esse especial com muitas informações sobre a Saint Seiya, sua história e fenômeno no Japão - na segunda metade dos anos 80 e no Brasil nos anos 90 - de como a febre tomou o país e a sagração desses heróis por aqui. Porém, houve excessos e pecados na matéria especial. Falou-se muito de uma coisa e nada de outras, e isso será dividido com meus colegas em cada uma de suas matérias.

 

        A maneira como Lily Carrol narrou à trajetória de sucesso de Saint Seiya, ou ‘Cavaleiros do Zodíaco’ se preferir, das páginas da Weekly Shonen Jump para a TV pelas mãos da Toei Animation, e tantos produtos relacionados após isso foi interessante. Não tem como ignorar todo o merchandising em cima disso. Afinal, é através deles que a série também se sustenta e consegue chamar mais e mais público. E se acharem que estou exagerando, só citar que em 2015 foi anunciado ‘Soul of Gold’, a nova animação da série apresentada na Tamashi Nation desse ano com… UM CLOTH MYTH, bonecos dos personagens, com armadura divina de Leão.

 

COMO NASCEM AS LENDAS:

O QUE NÃO FOI CONTADO

 

        Tão importante quanto explicar a tecnicidade de Saint Seiya seria também explorar igualmente ou até mesmo enfatizar mais como foi à construção dessa série. Falo de sua inspiração, base de criação, estruturação, formação, influências e conexões que permitiu Kurumada criar esse universo cósmico. Agora, o que isso seria relevante? Seria para compreender o porquê, pelo que, como que nasceu e se sustenta uma série ao longo de seus 28 anos de sucesso - entre altos e baixos - e seus 20 anos no Brasil.

 

A fonte de inspiração

 

        A série é fundamentada numa das (senão a mais) ricas mitologias antigas, a grega. Muitos fãs dizem que aprenderam Mitologia Grega com Saint Seiya, e adianto que tenham cuidado no que a série ensinou, e explico o por que.  Kurumada precisou desconstruir a mitologia e depois reconstruí-la para que Saint Seiya fosse construído, criando, então, a própria mitologia de Saint Seiya: O HIPERMITO.

 

        O que torna Saint Seiya incrivelmente interessante foi à maneira como Kurumada trabalhou na estruturação desse universo, inserindo as mais diferentes culturas, do oriente ao ocidente. Não ficou restrito à mitologia grega, mas sabendo mesclar bem diversas outras mitologias mundiais que acabaram influenciando ou influenciadas pela cultura grega - e isso é presente em cada uma das sagas da série, seja pelas mãos do autor original ou de seus convidados, que escreveram outras grandes obras da série como Okada (Episode G), “Teshirogi (The Lost Canvas), Hamazaki (Gigantomachia) e Chimaki (Saintia Sho) além da própria Toei Animation com seus filmes e sagas animadas (Saga Asgard e Omega).

 

        Para quem deseja fazer um especial sobre a série e redigir o ‘nascimento’ dessa lenda não se podia ignorar a colcha de retalhos da qual nasceu Saint Seiya. Como disse, a série não ficou fundamentada somente na Mitologia Grega, mas inseriu outras filosofias - como a budista, fortemente influenciada pela grega após domínio do oriente por Alexandre ‘O Grande’ - que permitiu referenciar a base moral da série quanto a superação (dos desafios e nas lutas até então impossíveis), iluminação (em elevar seu cosmo e ser capaz de fazer milagres quando obstinado por um objetivo nobre) e valorização (na amizade, no amor, no senso de justiça e busca pela paz). Tudo isso é importante, mas não é suficiente.

 

        Como sou autora de um projeto que busca criar um universo para um cenário pessoal, sei o quanto exige pesquisar e buscar referências para a criação desde um cenário a um personagem. Porém, existe uma diferença entre criar e se basear em algo já existente. Kurumada criou personagens memoráveis que vão além dos cinco órfãos que se tornam Cavaleiros - Seiya, Hyoga, Shiryu, Shun e Ikki - para proteger Atena - Saori Kido. Há outros personagens que, embora com participação menor, existente no mangá ou somente na animação, que despertariam a empatia de seu público. Porém, de onde veio à inspiração de suas personalidades, indumentárias sagradas e de suas técnicas e habilidades de combate que tanto nos deixava sem fôlego?

 

        Nos ‘Especiais de Aniversário’ que fazemos na Manitroll pesquisamos sobre isso, e digo que fiquei abismada com a minuciosidade de detalhes da qual Kurumada criou os personagens, desde os nomes às técnicas, de sua história à sua personalidade. Elas estão lá explicadas na sua constelação, nas lendas de sua mitologia, na história dos heróis e dos deuses que deram origem à lenda… Alguns personagens vão além, pois alguns espelham grandes personalidades da Literatura e outros gênios da humanidade.

 

        Em suma, nenhum personagem tem um nome, uma atitude, uma mentalidade simplesmente aleatória, mas explicado do porque estar ali. Até mesmo seus nomes não foram criados somente por ser bonito, mas refletindo diretamente à história e constelação protetora daquele personagem… principalmente no destino de cada um. As suas técnicas estão diretamente ligadas à constelação e aos seus mitos, ou seja, Kurumada preciso ir além da mitologia e estudar astronomia, sobre as constelações e os planetas para que o ‘absurdo’ fosse explicado e compreendido da superação daqueles humanos capazes de ‘rasgar o céus e abrir fendas na terra’.

 

        E o que dizer ainda dos incríveis cenários que enriquecem Saint Seiya? Os mitológicos continentes de Atlantis, Lemúria e Mu estão presentes na série, ou o Inferno poético descrito de Dante Alighieri de ‘A Divina Comédia’, as arquiteturas e monumentos das mais diversas partes do mundo com histórias fantásticas que explicam, por si só, do porquê serem presentes na série e em que momento estão ali - desde a Mansão dos Kido à máscara xamã de Guilty; Meteora se transformando no Templo das Estrelas (Star Hill) de uso dos Patriarcas e Grandes Mestres do Santuário de Atena; as cabeças da Casa de Câncer; Bayon sendo a torre que sela as 108 Estrelas Malignas de Hades; os sete pilares no Santuário Submarino que, pasmem, seria Atlantis?

 

        Não somente como fã da série, mas como Historiadora, vejo Saint Seiya um bom material para levar jovens a conhecer bem mais que a Mitologia Grega, mas a História, a Filosofia, a Astronomia, a Física, a Química… uma série multidisciplinar que levou muitos jovens, da geração Manchete à geração Band e Cartoon, ou mesmo Online, a querer saber mais um pouco de tudo isso. Saint Seiya não apenas é um mundo fantástico e ou de fantasia, mas mitológica com um olhar pós-moderno de uma história contada há milhares de anos pelos aedos em plena Idade Contemporânea sem tantas poesias, senão nos combates que ganharam mais emoção das páginas de um mangá para a TV.


        Parece irrelevante, mas CdZ é mais que um subproduto, é mais que marketing, mas uma cultura que conseguiu seu sucesso por uma soma de conhecimentos da qual Lily Carrol não achou interessante ressaltar. O tempo que gastou dissertando sobre Star Trek, somente pelo próprio Saint Seiya seria suficiente para explicitar porque se tornou tão marcante para as gerações dos anos 80, 90 e 2000.