AS VONTADES QUE MOVEM UMA ARMADURA

25/03/2020 00:36

As vontades que movem uma armadura

Por Lucas Saguista
Revisão Gabriel Galvão

Dedico esta análise ao Everton Vieira,

e aos teimosos de carteirinha que deveriam aprender a não teimar

 

 

    Sendo franco, não sei por onde começar essa análise, visto que enferrujei com as temáticas envolvendo o (multi) universo de Cavaleiros do Zodíaco e suas discussões que antes eram tão aquecidas em meu imaginário, e que agora parecem estar tão distantes da minha realidade atual. Recentemente me vi diante de uma dicotomia interessante, embora alguns conceitos fossem estabelecidos para mim de tal forma que jamais pensei estar me vendo discutindo isso – é a prova de que o tempo passou, e os esclarecimentos obtidos no Orkut, os quais se perderam para muitos, estão fazendo falta para as mentes de hoje (e ontem). Sem delongas nem rodeios, desenvolverei aqui um artigo explorando essa peculiaridade que parece gerar ruídos interpretativos: a vontade das armaduras ou a vontade dos seus cavaleiros.

    Apesar de ter dito que não farei rodeios é imprescindível que eu deixe delimitado a obra a ser analisada. Por que isso? Com a expansão, por assim dizer, de obras envolvendo o nome de Saint Seiya – e claramente, algumas se afastam completamente da obra Clássica, que deveria funcionar como termômetro e referência para as seguintes (algo desconsiderado pela própria existência de Next Dimension, que em sua antologia já deixa em xeque muitas atribuições dadas como estruturas fundamentais do chamado “Mangá Clássico”); acredito que seja interessante discutir num primeiro momento somente pela linha do Clássico, e depois fazer alguns paralelos com outras obras da franquia. Acho que dessa forma facilita muito para leitores mais exigentes que gostariam de, através dessa construção, basear seu entendimento somente com o “Clássico”, como também, após as ponderações com o Clássico fazer um alinhamento com outras situações decorrentes em outras obras para se avaliar justamente essa intercomunicação entre as obras.

    A primeira coisa que precisamos entender é que, apesar das armaduras possuírem vontades próprias – já que, segundo Mu de Áries possuem vida (e isso será desenvolvido nessa análise); a vontade de seus usuários se faz definitiva para que estas acabem agindo. Ou seja, existem momentos específicos em que a armadura se manifesta por vontade própria, ou seja, sem estar sendo influenciada pela vontade do seu atual ou antigo usuário, assim como existem momentos em que a armadura funciona como uma espécie de extensão do seu atual ou antigo usuário. Parece ser um tema complicado, e não é uma dicotomia tão simples assim de se julgar sem reflexão.  

    No capítulo 12 intitulado O Palácio de Mu, Shiryu alcança o cemitério das armaduras antes de chegar na Torre de Jamiel. Ali, acontece algo de interessante: os fantasmas dos cavaleiros que ficaram ressentidos por não terem alcançado seu objetivo manifestaram-se para Shiryu, animando as armaduras mortas de seus esqueletos. 

Shiryu no cemitério das armaduras, capítulo 12, o Palácio de Mu.

 

    Por não terem cumprido seu objetivo em vida, os fantasmas, em seu ressentimento e amargura, fazem com que suas armaduras mortas se ergam. A ideia era impedir não só o avanço de Shiryu, mas também causar sua morte.

 

Cena dos fantasmas erguendo as armaduras, capítulo 12, o Palácio de Mu.

 

    Seguindo os conselhos do Mestre Ancião, Shiryu avança em linha reta e, após usar o Cólera do Dragão, percebe que os fantasmas se aproveitavam da neblina para provocar a morte dos guerreiros que ali chegariam para consertar suas armaduras. Como este trecho nunca despertou interesse nos fãs, no máximo para discutir como se encaixariam esses fantasmas num contexto de Guerra Santa, entre Atena e Hades, este detalhe acaba ficando despercebido. Ainda assim, a vontade dos fantasmas, que nada mais eram que os antigos usuários das armaduras, presos pelo ressentimento de terem falhado numa busca em vida; foi capaz de fazê-las não só se erguerem para a batalha, como também de manifestarem-se através delas sem problemas.

    Ainda assim, este trecho é um ponto menor em relação aos seguintes, que serão tratados com maior riqueza de detalhes e uma argumentação um pouco mais detalhada.

    A segunda vez que vemos uma possível “manifestação” da vontade da armadura sagrada (algo que será abordado a frente novamente), acontece durante a batalha de Seiya vs Ikki de Fênix (capítulo 19, intitulado Torne-se Cinzas, Fênix). No instante em que Ikki usa a Ave Fênix, todos são derrubados com exceção de Seiya, que é protegido pela Armadura de Ouro de Sagitário. Até aquele momento na série, a primeira impressão deles foi de que a armadura, em seu senso de justiça, decidiu deliberadamente proteger Seiya, por este estar lutando em prol de algo justo. 

 

 

Possível teoria sobre a intervenção da armadura, capítulo 19, Torne-se Cinzas, Fênix.

 

    Ainda neste capítulo, temos a épica cena em que o Escudo do Dragão e a Corrente de Andrômeda vão ao auxílio de Seiya e, como seus usuários estavam desacordados, pode parecer que realmente as armaduras ali estavam envolvidas por alguma sinergia de intenções... Até lembrarmos que os cristais do Pó de Diamante de Hyoga se fundem os Meteoros de Pégaso. Dessa forma, não temos outra alternativa a não ser nos debruçar sobre a narrativa para entendermos melhor a situação.

    Com toda a certeza do mundo, mesmo desacordados, a vontade de Shiryu, Hyoga e Shun era de estar lutando ao lado de Seiya, e foi justamente essa vontade interior que moveu frações de seu poder para auxiliá-lo. Por isso, o Escudo do Dragão de Shiryu, a Corrente de Andrômeda de Shun e os cristais de gelo do Pó de Diamante de Hyoga se fizeram presentes, aumentando o poder ofensivo e defensivo de Seiya.

 

Intervenção do Escudo do Dragão, capítulo 19, Torne-se Cinzas, Fênix.

 

    Se prestarem atenção, a dúvida sobre o escudo do dragão ter se manifestado por vontade própria é levantada, sem maiores explicações se aquilo teria sido a vontade da Armadura de Dragão ou não.

 

 

    Analisando cuidadosamente, percebe-se que os próprios envolvidos estavam em dúvida do que estava acontecendo naquele momento, mas uma coisa é certa: não havia uma certeza sobre a vontade das armaduras de Dragão ou Andrômeda. A coisa só parece ter uma explicação quando os cristais de gelo do Pó de Diamante de Hyoga se acrescentam aos Meteoros de Pégaso.

 

Transformação da Armadura de Sagitário, capítulo 26, O Desafio de Aiolia.

 

    Caro leitor, não teria motivo para a armadura de Sagitário se revelar verdadeira naquele momento fatídico em que Aiolia de Leão estava indo com ordens de assassinato a menos que seu antigo usuário, que era o irmão mais velho deste que chegava, tivesse a intenção clara de dar-lhe uma mensagem. Como descobrimos nesta altura do campeonato, a armadura de Sagitário até o presente momento não estava agindo de acordo com suas convicções ou vontade, mas sim estava agindo de acordo com a vontade de seu antigo usuário, que continuava se manifestando diretamente através das ações dela.

 

Intervenção da Armadura de Sagitário, capítulo 26, O Desafio de Aiolia.

 

    Embora estivesse à beira da morte, bastou a armadura de Sagitário envolver o corpo de Seiya para eliminar três cavaleiros de prata somente com a descarga de seu poder de encaixe. Obviamente, Seiya não teve a mesma sorte contra Aiolia, mas esta não é uma análise da batalha entre alguém que pôs momentaneamente uma armadura de ouro contra um verdadeiro cavaleiro dourado. A proposta dessa análise é desvendar quem estava agindo por trás das curiosas intromissões da armadura vazia de Sagitário e, claramente, não ficamos surpresos ao perceber que o autor por trás daquelas ações era ninguém menos que seu antigo usuário, Aiolos.

 

Manifestação de Aiolos de Sagitário, capítulo 27, Colisão Violenta! A Armadura de Ouro!

 

    E vejam só que interessante: Não só a vontade do usuário da Armadura de Sagitário se fez valer na armadura, como também através de Seiya, que teve seu cosmo amplificado ao ponto de devolver o ataque de Aiolia contra ele mesmo. Muitos vão dizer que foi uma alegoria a Aiolos, mas não que necessariamente era a alma dele interagindo com Aiolia ali, outros podem até dizer que foi uma espécie de eco emitido da armadura, como que revelando a vontade de seu antigo usuário para seu irmão, creditando todos os feitos para a armadura vazia de Sagitário. Eu apenas responderia com isso:

 

 

Reconhecimento de Aiolia de Leão à alma de seu irmão, capítulo 27, Colisão Violenta! A Armadura de Ouro!

 

    E antes que alguém levante a bandeira de que a armadura só se vestiu sobre o corpo de Seiya porque ele seria o próximo eleito a Sagitário, como quem busca desconsiderar o que está sendo defendido aqui: Shiryu não é do signo de Capricórnio, ainda assim a Armadura de Capricórnio protege seu corpo seguindo a vontade de seu usuário, salvando-o do Último Dragão. Não queiram levantar bandeiras defendendo leituras fáceis, por favor, porque toda a literatura, por mais simples que se sugira ser exige uma análise cautelosa.

    Então, caro leitor, deve estar se questionando se eu estou aqui a dizer que na realidade a armadura não possui uma vontade própria, mas sim segue as aspirações de seu usuário, esteja ele vivo ou morto? A resposta é simples: Claro que não. Estou dizendo que existem casos e casos. Ou seja, em outras palavras, quando vimos a Armadura de Câncer abandonando o corpo de Máscara de Morte vimos na prática a vontade da armadura.

 

Valores de um Cavaleiro, capítulo 33, A Batalha Mortal na Casa de Câncer.

 

 

    E embora Máscara da Morte estivesse há anos fazendo atrocidades contra as pessoas e a Armadura de Câncer estivesse ignorando tal ato, no instante em que este enfrenta Shiryu a coisa muda: principalmente se considerarmos que Shiryu estava lutando sob as bênçãos de Athena. Ou seja, a Armadura de Câncer não poderia continuar compactuando com tal conduta.

    E a Armadura de Gêmeos?

    Ora, no instante em que a armadura expressa sua dor vertendo lágrimas ela não deixa de estar também expressando a dor da índole boa de Saga. Não é incomum as armaduras possuírem uma afinidade e até mesmo manterem uma sintonia com seus usuários, estejam eles vivos ou mortos.

    Baseando-se nisso, finalmente chegamos ao ponto de clímax: A Saga de Poseidon.

    Em Poseidon, Mestre Ancião ficou responsável pelo comando do Santuário, ou seja, passou a exercer o cargo de Grande Mestre de todos os cavaleiros sagrados. E, durante o conflito, vimos os cavaleiros de ouro se reunindo na Casa de Áries, com a intenção de se envolver na batalha de Atlântida.

    Contudo, por ordens do Mestre Ancião, os Cavaleiros de Ouro não poderiam agir sob hipótese alguma, pois a prioridade era se preparar para a invasão de Hades. Os cavaleiros de ouro ficam divididos, e um conflito estava para eclodir entre os que obedeciam ao Mestre Ancião, e os que queriam partir em auxilio de Atena e Seiya. Eis, que entre o conflito, parte da Casa de Sagitário a Armadura em direção à Atlântida.

 

Intervenção de Aiolos, capítulo 61, Ecoe! A Oração de Atena!

 

    Nenhuma novidade até aqui. Não é como se não tivéssemos visto a vontade de Aiolos, no capítulo 27, enviando a Armadura de Sagitário para um centro de conflito. Vimos isso acontecer na Batalha das Doze Casas (capítulo 27, Colisão Violenta! A Armadura de Ouro) vimos isso acontecer na Batalha de Atlântida (capítulo 61, Ecoe! A Oração de Atena!) e também em frente ao Muro das Lamentações (Capítulo 97, Destruam o Muro das Lamentações). E vejam bem: Não foi só Aiolos que se manifestou contra a decisão do Mestre Ancião de impedir a intervenção dos cavaleiros de ouro na luta contra Poseidon.

 

Intervenção de Aiolos, capítulo 64, Atire! A Flecha Dourada!

 

    Como podemos ver, até mesmo Camus acaba “despertando” após a morte, e sua vontade faz com que a Armadura de Aquário também intervenha no conflito. Claro, existem várias leituras que podem ser feitas aqui: Pode-se entender que as almas dos cavaleiros partiram com suas armaduras ao conflito como forma de protesto a decisão do Mestre Ancião; pode-se entender que seus usuários enviaram suas armaduras para protegerem seus sucessores e Atena; enfim, isso até pode ser debatível, contudo, o que não é questionado é que as armaduras agiram por intermédio direto dos seus antigos usuários – tanto é verdade que os próprios dourados perceberam as intenções de Aiolos e Camus operando naquela situação.

    A conclusão que se chega é a seguinte: A vontade do usuário da armadura, na sua grande maioria das vezes, permite que a mesma se manifeste ativamente durante os conflitos, servindo como uma extensão da personalidade de seu antigo ou atual dono. Claro, considerando que os diálogos de Saint Seiya são expositivos, na grande maioria das vezes facilitando muito a identificação desses elementos recorrentes na trama.

    A despeito das armaduras de ouro meio que serem o principal objeto de estudo dessa análise, não podemos desconsiderar os outros casos discorridos acima, portanto, vale lembrar que independentemente do rank das armaduras a vontade dos seus usuários se faz decisivo para que estas se manifestem. Um bom exemplo disso se encontra na batalha do Monte Fuji, onde os principais símbolos de poder das armaduras de bronze dos outros cavaleiros foram em auxilio de Seiya. Isso por que as intenções de cada um dos cavaleiros ali presentes, convertidas no cosmo estabeleceu uma conexão que foi permitida essa assistência por parte das armaduras.

    Assim sendo, é possível que as armaduras manifestem vontades e ações de acordo com as aspirações recebidas por seus usuários, independente das atribuições específicas ou características individuais que estas possam ter atribuídas a si. Como, por exemplo, a Armadura de Hidra que gera presas venenosas de suas articulações, ou a Armadura de Fênix que se reconstrói das cinzas – não me adentrei nesta discussão, porque essas particularidades não são o núcleo o discurso sobre a vontade da armadura ou do usuário.

    Bom, como eu tinha comentado na introdução desse artigo, eu dividi a parte do Clássico de um lado, e outras obras de expressão relevante – segundo meus critérios, do outro. Por que eu sei que os fãs de Saint Seiya têm uma dificuldade maior em aceitar obras complementares como sendo tudo parte de um grande multiverso, diferente dos fãs de Comics, que conseguem facilmente transitar entre períodos, marcos e autores diferentes sem maiores problemas.

    Essa mentalidade começou a se difundir ainda no decadente Orkut, e a coisa só se segregou de lá para cá. O que inicialmente se sustentava numa defesa ao Clássico com receios a inovações ou contradições acabou, goste ou não, caindo por terra com as produções posteriores do próprio autor: Next Dimension e Saint Seiya Origin. É incrível que muitas contradições, pelo menos as mais profundas por assim dizer em relação a matriz que deveria ser o Clássico acabou provindo das mãos do próprio criador-autor.

    Não se sabe se as mudanças são provenientes de questões contratuais, afinal de contas, Saint Seiya pertence a editora Shueisha, enquanto Next Dimension à Weekly Shonen Champion, portanto, suspeita-se que tanto as mudanças dos estilos das capas (Masami Kurumada em todos os tomos de Saint Seiya desenhou o Seiya na capa, enquanto agora não segue mais esse padrão) como o design da maioria das armaduras e personagens se dê por isso. Ainda assim, a base da história deveria ter sido mantida, porém, está é a que está sofrendo mais alterações.

    Então, assim sendo, discutirei abaixo outras passagens de outras obras do universo expandido de Saint Seiya, levando em consideração as mesmas características da primeira parte do artigo: a vontade da armadura e a vontade do usuário.

    Em The Lost Canvas, de Shiori Teshirogi, após o selamento de Thanatos (capítulo 70, intitulado O Desejo que lhe foi confiado), a alma de Manigold aguarda Shion na Casa de Câncer para lhe entregar o elmo do Grande Mestre, o símbolo de poder e liderança no Santuário. Após receber o elmo, porém, Shion percebe que na realidade a Armadura de Câncer serviu apenas como que para dar momentaneamente uma forma física a Manigold.

 

Manigold entregando o elmo a Shion, capítulo 70, intitulado O Desejo que lhe foi confiado, The Lost Canvas.

 

    Separei outro trecho interessante para acrescentar a essa análise.

    Sabe-se que no capítulo 71, intitulado Dilacerar, El Cid de Capricórnio acaba sendo distraído por uma técnica de Icelus, o Deus das Ilusões, e tem seu braço dilacerado pelo golpe da própria técnica. El Cid é momentaneamente derrubado, caindo de um penhasco. Phantasos, outro dos deuses dos sonhos, recolhe seu braço decepado e o carrega para o interior do mundo dos sonhos. Mal podia esperar Phantasos que o braço dilacerado, o qual continua a proteção do braço direito da Armadura de Ouro chamasse pelo usuário da espada quebrada até aquele local.

 

A armadura de ouro sendo chamada pela lâmina partida, capítulo 73, intitulado O Mundo dos Sonhos, The Lost Canvas.

    Claro, não vai faltar algum “conservador” – embora prefira acreditar firmemente que as pessoas hoje tem uma mentalidade mais aberta em relação ao universo expandido, para desconsiderar essa parte afirmando que, como nada assim ocorreu ipsis litteris no Clássico, logo, não é relevante. Pois eu digo que se uma obra com mais de 25 Volumes e 16 Volumes extras não tem absolutamente nada a agregar para com a franquia, seja trazendo novos elementos ou fazendo uma releitura de outros que já foram explorados, então, para que esta deveria existir? Pois então, acho que essa cena da batalha em Morphia é um ótimo exemplo de como funciona essa troca entre cavaleiro e armadura.

    Veja bem, a lâmina partida (que continha parte da proteção do braço da armadura de ouro) chama pela Armadura de Capricórnio, o que nos mostra que, de fato, a Armadura é um ser vivente e que possui também seus meios de interação para com o usuário, de maneira discreta. Embora aqui não tenha acontecido aquela mesma troca de vontades, não deixou de ocorrer um evento interessante.

 

Aiolia deixando parte da armadura de Ouro pra ganhar uma brecha, capítulo 08, intitulado Aquele que atravessa a armadura, Episódio G

    Esse trecho foi retirado do segundo volume de Episódio G, de Megumu Okada, e acredito que esta foi uma das melhores lutas de toda a Titanomaquia. Ante a Sohma de Hiperion de Ébano, Aiolia abandona parte da Armadura de Leão, deixando-a na forma de “object”, para surpreender o inimigo com um golpe furtivo. Aqui não é uma cena inovadora, porque Shiryu usou e abusou desse recurso incansáveis vezes no decorrer do Clássico, contudo, o interessante a se destacar dessa cena é que a Armadura não foi simplesmente abandonada. A armadura permaneceu para receber e conter parte do dano da técnica, a fim de proteger Lithos e a outra criança, enquanto o dono dava a volta para surpreender o adversário.

    E, por fim, encerro essa matéria (sem uma imagem de apoio, infelizmente) falando sobre o final do capítulo 45 de Episódio g, intitulado Aquele que paga com sacrifício, em que o Mestre Ancião envia a Armadura de Libra para Aiolia, que enfrentava os Titãs em seu covil. Se a vontade do Mestre Ancião de ajudar Aiolia não é por si só extremamente envolvente, afinal, é o detentor da armadura portadora das armas capazes de destruir estrelas, a admiração foi maior ao ver Dohko utilizar-se de uma técnica parecida com a de Saga de Gêmeos, animando a armadura com uma imagem sua projetada através do cosmo (capítulo 46, Aquele que acredita no futuro). Basicamente, o Mestre Ancião controlou uma versão remota sua conservando o aspecto de seus dezoito anos enquanto mantinha uma ilusão para proteger Aiolia.

    Como eu disse antes, nada que não se tenha visto no Clássico de uma forma mais simplificada, porém, achei extremamente válido trazer tais pontos para discorrer nesta análise, já que estamos tratando das vontades que movem uma armadura. Portanto, fiz esse paralelo entre The Lost Canvas, de Shiori Teshirogi, e Episódio G, de Megumu Okada, porque enquanto podemos analisar as diferentes perspectivas abordadas pelos autores: enquanto em The Lost Canvas a interação da armadura e do usuário está mais focada naquilo que os motiva, em Episódio G, por outro lado, o autor procurou explorar isso de maneira mais tática, ou seja, no roteiro das batalhas.