UM DESSERVIÇO A VINTE ANOS DE HISTÓRIA POR LEONARDO MELO

12/12/2014 20:31

Um desserviço a vinte anos de história

por Leonardo Melo

 

        Tendo obtido acesso recentemente à Revista Neo Tokyo, nº 103, e sabendo do histórico recente da mesma com relação a manchetes sobre a série Cavaleiros do Zodíaco (no caso, me refiro ao nº 95 da revista), pode-se dizer que não abri a matéria esperando ler nada muito complexo. Um flashback englobando todos os vinte anos de CDZ no Brasil me pareceu algo justo e necessário, já que fora dos círculos de fãs na internet, a data passou largamente em branco com exceção do (pobre) marketing do novo filme da franquia, intitulado A Lenda do Santuário.

        E ao iniciar o que seria uma leitura não muito prazerosa, imediatamente observei um sem-número de erros de português e digitação, além de parênteses desnecessários. Logo na página de abertura temos uma palavra sem acento, e esse tipo de erro se repete em muitos dos textos de chamada (não as letras menores, mas as maiores!). Texto comum com um ou outro erro de digitação é passável, obviamente. É o tipo de coisa que pode acontecer mesmo após uma revisão. Mas texto de chamada? Não importa o motivo, se foi falta de atenção ou se a fonte escolhida não possuía acentos: existe uma coisa chamada planejamento e outra chamada revisão. Dando um exemplo de caso de revisão pobre ou inexistente: Na página 21 o texto em destaque diz “...jovens, com idades próximas a da legião de fãs...”, enquanto que o texto da matéria corretamente utiliza a crase no “A” durante a mesma citação (“...idades próximas à da legião de fãs...”). Como a revisão corrigiu o erro no texto menor e não viu o mesmo erro no texto gigante logo acima?

        Durante o curso da matéria também encontrei inúmeros erros – alguns crassos – que seriam no mínimo facilmente identificáveis (“Toie” Animation; “Shuisha”, referindo-se à editora Shueisha...). Inaceitável, apenas. Acho triste que uma matéria com o objetivo de informar dissemine tanta desinformação como essa. É o tipo de erro crasso que se prolifera, porque quem está conhecendo a série agora vai repetir estes mesmos erros por ter lido numa publicação impressa, que muitas pessoas ainda dão preferência exatamente porque esperam que um cuidadoso trabalho de revisão e checagem de fontes tenha sido feito numa matéria de escopo tão ambicioso como esta, que pretende narrar vinte anos de história.

        Outra coisa que me chamou a atenção foi a absoluta inconsistência na utilização do próprio nome da série que é o assunto da matéria. Certo, todos nós sabemos que Cavaleiros do Zodíaco e Saint Seiya são dois nomes para a mesma coisa, mas isso não desobriga a redatora a manter um mínimo de coerência e escolher apenas um destes nomes para referir-se à série num mesmo texto. Durante o curso da matéria ela alterna incessantemente entre os dois nomes, o que pode gerar certa confusão, ainda mais quando levamos em conta que Saint Seiya é o nome adotado no Brasil para o primeiro especial da série, que narra a luta contra Éris. Segundo a própria autora, ater-se ao título original é uma onda para poupar dor de cabeça ao pessoal da área de marketing, porém não há dúvidas de que alternar constantemente entre dois títulos diferentes pode gerar uma dor de cabeça maior ainda. E não vou nem comentar sobre o uso errôneo (e infelizmente também constante) de versões estrangeiras de nomes, quando temos versões em nosso idioma que têm pouca ou nenhuma diferença para o original (“Athena” ao invés de Atena, por exemplo).

        Não vou fazer todos vocês passarem por uma grande lista de cada um dos erros de português e/ou de digitação detectados (mas dá para comentar mais alguns. Ex.: “Saint Seiya fez seu debut”. Debut? Sério? Escrever “estreia” faz a mão cair ou algo assim?). Até porque não é apenas disso que pretendo falar nesta resenha mas, realmente, não estamos mais na década de 1990, onde computadores eram proibitivamente caros e softwares de correção gramatical eram parcos ou inexistentes. Hoje não existe mais desculpa para não se realizar pelo menos uma revisão superficial num texto destinado a ser passado numa rotativa e publicado em uma revista física, com impressão em larga escala. Já  os erros que têm relação com os nomes da série e à história que se pretende contar são ainda mais graves, e não podem passar em brancas nuvens numa publicação que teoricamente tem a missão de informar.

        Outro problema na matéria foi que, logo na página 20, temos uma ilustração de Posídon — oriunda do livro ilustrado Sacred Saga. Bem, eu acredito que nem todos saibam que este é um livro de fanarts, ou seja, artes feitas por fãs — totalmente justo. Mas para uso dessas imagens em um trabalho comercial, a ética e o bom senso ditam que tais imagens deveriam vir acompanhadas de créditos ao(s) autor(es), e isso até mesmo seria uma oportunidade de comentar sobre a grande comunidade fanartista de CDZ em toda a Internet. Oportunidade essa que foi perdida ao se dedicar várias páginas da matéria para falar de uma pessoa só, traço é de qualidade visivelmente duvidosa, quando temos inúmeros outros artistas como o próprio Jérôme Alquié (que foi até mencionado no texto!), cujo traço faz realmente jus ao de mestres como o de Shingo Araki. Uma consulta rápida retornaria nomes como Juni-Anker, EtaminDraconis, SpaceWeaver...

        Sim, certo. Eu sei. Eu sei que a matéria pretendia focar-se no Brasil, portanto é justo divulgar trabalhos de origem brasileira. Porém mesmo no Brasil temos grandes artistas que, por não terem a mídia e os contatos necessários, não aparecem normalmente em matérias de revista de forma totalmente gratuita como aconteceu nesta — e por “gratuita” não me refiro a nenhuma transação financeira. Uma cuidadosa busca na grande rede poderia trazer vários e competentes nomes, que receberiam uma divulgação que realmente precisam. Diferentemente do Sr. Maryo.